Pesquisa de DNA fetal em sangue materno
DNA fetal e rastreio pré-natal
A medicina moderna, aliada à investigação, tem permitido avanços incríveis em várias áreas, nomeadamente na obstetrícia, e no diagnóstico pré-natal. Nos últimos anos, novas técnicas laboratoriais permitiram lançar de novas armas de diagnóstico, como é o caso da pesquisa de DNA fetal em sangue materno. Esta nova ferramenta de trabalho, por muitos conhecida pelos seus múltiplos nomes comerciais (Neobona®, Harmony®, TOMORROW®, TRUST®…), representa um nova forma de rastreio pré-natal não invasivo, cujo lugar, no contexto pré-natal, ainda está pouco protocolado no contexto de saúde pública, face aos custos associados a esta técnica.
A procrura de DNA fetal
Na prática, esta técnica procura DNA fetal não associado a células (cell free DNA), que são libertados pelo complexo feto-placentar, para a circulação materna. Correspondem a fragmentos de DNA fetal que são libertados para a circulação em consequência de processos apoptóticos (auto-destruição celular) de células da placenta, contendo entre 50 a 200 pares de bases. Estes fragmentos organizam-se de maneira diferente dos maternos ( de origem de apotptose de células hematopoiéticas), permitindo pelas técnicas laboratoriais a distinção entre os fragmentos maternos e fetais. A detecção destes fragmentos inicia-se entre as 5 e as 9 semanas de gestação, mas já é bem identificada após as 10 semanas, razão pela qual se aconselha a realização do teste apenas após esta idade gestacional, idealmente entre o fim do 1º e o início do 2º trimestre.
A fracção de fragmentos de DNA fetal, fetal fraccion, vai aumentando ao longo da gravidez e desaparece poucas horas pós parto, podendo variar com alguns aspectos, nomeadamente com a obesidade materna, que por diluição (associada a um maior volume plasmático), muitas vezes pode tornar este teste inadequado nesta população de grávidas.
Outros factores que poderão influenciar a fracção fetal, são o uso de heparina de baixo peso molecular antes das 20 semanas de gestação ou a utilização de técnicas de fertilização in vitro. Globalmente, as recomendações internacionais recomendam para a validação do teste uma fetal fraction de 4%, havendo porém laboratórios, que pelas suas técnicas mais avançadas, que já validam os seus resultados com frações mais baixas.
Objectivo
O objectivo é então quantificar o material fetal em determinados cromossomas, tendo em conta a fracção fetal, de modo a perceber se existe material a mais em determinados cromossomas.
A performance do teste é melhor no trissomia 21 (Síndrome de Down), com uma sensibilidade de até 99,5%, para uma taxa de falsos positivos ( ou seja, resultados alterados em fetos saudáveis) de 0,05%, sendo ligeiramente inferior para outras trissomias, nomeadamente T18 ( S. de Edwards) com sensibilidade de 97,7% para taxas de falsos positivos de 0,04% e T13 ( S. de Patau), com sensibilidade de 96,1% para taxas de falsos positivos de 0,06%. Estes resultados são muito superiores, quando comparados aos oferecidos pela rastreio combinado do 1ºTrimestre, implementado no serviço nacional de saúde, que oferece, mas melhores condições uma taxa de detecção de 95% para 2,5% de falsos positivos, no que diz respeito à trissomia 21.
Porém, em qualquer dos casos, estes rastreios são apenas rastreios, obrigando sempre, num contexto de resultado de alto risco, a confirmação por exame invasivo (biopsia das vilosidades coriónicas ou aminiocentese), pela presença da possibilidade de falsos positivos.
Outras informações podem ainda ser obtidas através destes testes, com múltiplas futuras potencialidades associadas a esta técnica. Porém, outras informações, como a detecção de aneuploidias dos cromossomas sexuais ou microdelecções, na actualidade, têm um benefício diagnóstico muito discutível e não são recomendadas a sua pesquisa.
Limitações
Este teste apresenta limitações, começando logo pela fracção fetal, como discutido acima, mas também na presença de mosaicismos confinados à placenta (alterações dos cromossomas só presentes na placenta e não no feto que ocorrem em cerca 1-2% das gestações), um feto morto no contexto de gestação gemelar, ou uma gestação inicialmente gemelar mas com desaparecimento precoce de um dos gémeos (vanishing tween), ambas situações em que pode haver material circulante aumentado correspondendo a aneuploidia do feto já morto/desaparecido, a presença de mosaicismos maternos desconhecidos, ou cancro materno ainda não diagnosticado. Todas estas situações devem ter sidas em conta quando se solicita este teste e poderão, em alguns casos, necessitar de aconselhamento genético, sobretudo, se outras valências do teste forem solicitadas.
No contexto clínico, este teste pode ser usado de várias maneiras, sendo até agora, em vários países, usado no contexto estritamente privado, não sendo abrangido pelos serviços de saúde, pelos custos que ainda implica.
Vantagens
Porém, este poderá ser usado como o único teste de rastreio primário, em teoria, oferecido a toda a população, substituindo o actual rastreio combinado do primeiro trimestre; ou como rastreio secundário, oferecido apenas a uma parte da população, que no rastreio combinado do primeiro trimestre teve como resultado um risco intermédio/alto risco ( com vários modelos sugeridos para a organização dos mesmos).
O problema que se coloca são ainda os custos associados a este exame (da ordem dos 400-500 euros por exame), que imputariam ao sistema custos acrescidos numa fase inicial da sua implementação, para além do que não devem substituir a ecografia do primeiro trimestre (que para além de contribuir com informação biofísica para o rastreio actualmente corrente, permite a obtenção de um manancial de outras informações fundamentais na gravidez).
Fazer ou não fazer?
A escolha actual da realização deste exame, para já, passa pela discussão do casal com o seu obstetra, revendo as vantagens e desvantagens discutidas acima e tendo também em conta cada contexto ( idade materna, rastreio do 1º trimestre prévio e seus resultados, ansiedade materna e inclusivamente disponibilidade financeira). Os resultados, devem igualmente ser discutidos com o obstetra e, eventualmente geneticista ( em casos particulares), sendo que um resultado positivo (alto risco de aneuploidia), deverá implicar um exame invasivo para confirmação do achado. Existe ainda a possibilidade de haver um não resultado, ou seja, o exame ter sido incapaz de detectar fracção fetal suficiente que permita estudo do DNA fetal. Nesse caso, 3 opções poder-se-ão equacionar: a repetição do mesmo ( mais idade gestacional, maior probabilidade de maior fracção fetal circulante), realização apenas do rastreio do 1º trimestre, ou exame invasivo; todas as opções mais uma vez a serem discutidas com o seu obstetra.
Assim, sem dúvida que este exame traz mais valias à obstetrícia moderna, ainda que o seu lugar ainda não esteja devidamente estabelecido, sendo o aconselhamento para o mesmo fundamental, para que o casal possa ficar o mais tranquilo e informado da realização do mesmo e dos resultados que deste poderá extrair.
Filipa Caeiro
Ginecologista/Obstetra
Clínica Crescendo
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